Ela abriu os olhos.
"Não, não, não!" Voltou a fechar os olhos.
Mentalmente, analisou a sua situação. Calculou as suas coordenadas naquela rua movimentada, fez uma estimativa do número de pessoas que ali circulavam e registou a localização dos cafés e lojas mais próximas. Isto acalmou-a um pouco.
"Ok..." pensou ela "Em frente é que é o caminho!"
Reabriu então os olhos para a imagem real daquilo que esboçara na sua cabeça. Pestanejou levemente para habituar a vista à claridade. Começou então a andar em linha recta naquela calçada irregular e percorreu ligeira até ao fundo da rua, deixando as lojas que memorizara para trás.
Caminhou mais alguns metros com uma postura decidida, até que congelou. Os seus olhos perderam-se no infinito e por breves segundos foi como se tivesse deixado o seu corpo ali, sózinho, desamparado, vazio...
"Bolas!" disse entre dentes.
Abanou a cabeça. Da mesma maneira que esvaziara o seu corpo, facilmente voltou a ele, reactivando-o e devolvendo-lhe vida e movimento. Depressa virou costas ao sentido que tinha tomado previamente, voltando para trás.
Percorreu na sua cabeça todos os insultos e injúrias que conhecia, repetindo-os silenciosamente nos seus pensamentos. Por que razão não conseguia prosseguir aquele caminho, porque é que o medo dominava as suas reacções, porque é que continuava a ridicularizar-se em público?
De repente lembrou-se: o público. Olhou para o lado fortivamente, apenas para deixar a cabeça retomar a sua posição inicial ainda mais depressa.
"Bolas, bolas, bolas, bolas, bolas, bolas..." resmungou ela em volume quase inaudível, abrindo os lábios mais do que o necessário.
Tinha-se lembrado das outras pessoas que também ali passavam, aquelas caras terríveis e intimidantes, aqueles olhares furtivos e cruéis, que a castigariam pelo seu medo irracional, que a catalogariam facilmente como louca... E nas suas costas, uma multidão muito maior, um corredor estreito em que certamente seria inevitável tocar num desconhecido que ali se aglomerasse... Aquele toque que a enojaria, aqueles empurrões violentos que a atirariam para o outro lado, para um outro corpo, provavelmente suado, para um rosto ainda mais assustador, para uns olhos que condenariam a sua histeria, um purgatório na terra, em vida plena...
Tapou a cara com ambas as mãos em concha. Encheu o peito de ar, e depois expirou lentamente pela boca, deixando o ar insuflar-lhe as bochechas antes de se escapar pelos seus lábios semi-cerrados num leve assobio. Seguiu então, na mesma direcção e sentido, de olhos colados ao chão. Todo o medo avassalador deixado para trás, por combater...
terça-feira, abril 21, 2009
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3 comentários:
Muito boa, esta história Susana. Gostei particularmente dos pormenores que, num crescendo, levam ao final... "o medo avassalador, por combater".
Está mesmo excelente!
Abraço,
Madalena
Ás vezes é tão difícil estar sozinho...intriguing.
Parabéns atrasados, Susana! Também coloquei o vídeo para ti no meu blog, mas no dia 24 (quando deveria ter sido, Senhor Zimifrein de Neribits!).
Abraço,
Madalena
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