terça-feira, abril 21, 2009

Agorafobia

Ela abriu os olhos.
"Não, não, não!" Voltou a fechar os olhos.
Mentalmente, analisou a sua situação. Calculou as suas coordenadas naquela rua movimentada, fez uma estimativa do número de pessoas que ali circulavam e registou a localização dos cafés e lojas mais próximas. Isto acalmou-a um pouco.
"Ok..." pensou ela "Em frente é que é o caminho!"
Reabriu então os olhos para a imagem real daquilo que esboçara na sua cabeça. Pestanejou levemente para habituar a vista à claridade. Começou então a andar em linha recta naquela calçada irregular e percorreu ligeira até ao fundo da rua, deixando as lojas que memorizara para trás.
Caminhou mais alguns metros com uma postura decidida, até que congelou. Os seus olhos perderam-se no infinito e por breves segundos foi como se tivesse deixado o seu corpo ali, sózinho, desamparado, vazio...
"Bolas!" disse entre dentes.
Abanou a cabeça. Da mesma maneira que esvaziara o seu corpo, facilmente voltou a ele, reactivando-o e devolvendo-lhe vida e movimento. Depressa virou costas ao sentido que tinha tomado previamente, voltando para trás.
Percorreu na sua cabeça todos os insultos e injúrias que conhecia, repetindo-os silenciosamente nos seus pensamentos. Por que razão não conseguia prosseguir aquele caminho, porque é que o medo dominava as suas reacções, porque é que continuava a ridicularizar-se em público?
De repente lembrou-se: o público. Olhou para o lado fortivamente, apenas para deixar a cabeça retomar a sua posição inicial ainda mais depressa.
"Bolas, bolas, bolas, bolas, bolas, bolas..." resmungou ela em volume quase inaudível, abrindo os lábios mais do que o necessário.
Tinha-se lembrado das outras pessoas que também ali passavam, aquelas caras terríveis e intimidantes, aqueles olhares furtivos e cruéis, que a castigariam pelo seu medo irracional, que a catalogariam facilmente como louca... E nas suas costas, uma multidão muito maior, um corredor estreito em que certamente seria inevitável tocar num desconhecido que ali se aglomerasse... Aquele toque que a enojaria, aqueles empurrões violentos que a atirariam para o outro lado, para um outro corpo, provavelmente suado, para um rosto ainda mais assustador, para uns olhos que condenariam a sua histeria, um purgatório na terra, em vida plena...
Tapou a cara com ambas as mãos em concha. Encheu o peito de ar, e depois expirou lentamente pela boca, deixando o ar insuflar-lhe as bochechas antes de se escapar pelos seus lábios semi-cerrados num leve assobio. Seguiu então, na mesma direcção e sentido, de olhos colados ao chão. Todo o medo avassalador deixado para trás, por combater...

3 comentários:

Laura disse...

Muito boa, esta história Susana. Gostei particularmente dos pormenores que, num crescendo, levam ao final... "o medo avassalador, por combater".

Está mesmo excelente!

Abraço,
Madalena

Daniel disse...

Ás vezes é tão difícil estar sozinho...intriguing.

Laura disse...

Parabéns atrasados, Susana! Também coloquei o vídeo para ti no meu blog, mas no dia 24 (quando deveria ter sido, Senhor Zimifrein de Neribits!).

Abraço,
Madalena