quinta-feira, dezembro 04, 2008

Mau tempo...


    Olho através da janela embaciada: cá dentro o ambiente está quente, desenquadrado com a chuva que pinga o chão lá fora. No entanto os meus pés continuam frios por baixo de camadas generosas de malhas de algodão. Por isso, não estou confortável...
    Lá fora já escureceu há muito... A tarde agora é cortada ao meio pela chegada precoce da noite, e, como é Dezembro, um espiríto natalício adulterado decora-a com luzes incandescentes. As iluminações transferem alguma magia às ruas cinzentas da cidade, mas não escondem a tristeza que me mantém obscurecida. Por isso mesmo observo-as fixamente, na esperança de uma cegueira temporária e de um esquecimento breve, mas terapêutico. Espero que os meus olhos recuperem o foco, e sonho por um segundo que não são só as bolas de Natal que se iluminam, mas sim toda a calçada, toda a rua, todo um caminho reluzente diante de mim; um fugaz segundo de felicidade...
    Encontrei a cidade inalterada, depois de um piscar de olhos... Continua a chover, continua frio lá fora e continua tudo igual, iluminado e movimentado. Não fosse este meu estado, talvez fosse eu quem dançaria à chuva, fugindo entre lágrimas de Inverno, tremendo ingenuamente de frio, deixando-me maravilhar pelas luzes e cores e congestão desta época caótica de paz.
    Mas os meus pés continuam frios, e sinto a cabeça latejar ligeiramente... Acho que me esqueci de como é gostar do Natal...

        quinta-feira, novembro 20, 2008

        Pinceladas...


          Pintei um quadro
          Sobre um traçado
          Rude
          E inacabado...
          Fiz nascer cores
          No pincelar
          Porque as vi
          No meu sonhar.

          Imaginei mais um pouco,
          Defini formas,
          E como um louco
          Procurei acreditar
          No que estava a desenhar.

          E saltei para dentro do quadro
          Sobre borrões pintado.
          Aninhei-me nas ilusões
          De um artista inconformado:
          Paisagem de tinta e papel,
          Sorriso imobilizado,
          Festa de cores pastel...
          Vivi pintando esse quadro,
          Mesmo sem pincel...

            segunda-feira, novembro 03, 2008

            Horizonte próximo


              Longe...
              Esse horizonte próximo,
              Intocável,
              Onde um olhar
              Repousa sobre mim,
              Sem descanso,
              Sem fim...
              Longe,
              Junto ao céu,
              Nesse pôr-do-sol carmim.

              Longe...
              Cegueira
              Minha e tua,
              À nossa beira
              Germina a Lua
              Sem que a possamos ver...
              Mas seguimos essa luz
              Mesmo sem saber...

              Longe está
              O amor...
              No coração,
              Saudades próximas...
              Falta de calor...
              Longe,
              Nunca distante,
              Sente-me neste instante.
              Encontramo-nos no horizonte...

              domingo, outubro 19, 2008

              Destino (in)certo



              Frágil estado embrionário
              Deste fado imaginário
              Construído sobre areia.
              Molda-se e abre caminho
              Ao final de cada história.
              Cresce em nós, faz-se memória.

              Ainda indeterminado
              Sem género, sem cor,
              Sem cara, sem fulgor,
              Num ventre guardado no tempo,
              É estática e movimento.
              Apenas um pressentimento
              De algum ódio, amor ou alento...

              Sem espaço para ser criança
              Desenvolve-se a promessa
              De um viver no estado adulto...
              Um respirar de um vulto,
              Uma sombra, um arrepio,
              Mais um parágrafo esguio
              Do nosso passar...
              Temos um futuro fértil
              Até acabar.

                  sexta-feira, setembro 26, 2008

                  Minuto congelado


                    O ponteiro parou...
                    O minuto já passou,
                    Mas continuou...
                    O tempo não morreu,
                    Estagnou...
                    Agora,
                    Vivo à margem da mesma hora.
                    Esqueço e não aconteço.
                    Parada, sem demora,
                    Pereço.

                    O ponteiro avançou,
                    Outro minuto começou...
                    O tempo não morreu...
                    Afinal fui eu.

                    sábado, agosto 23, 2008

                    Ficaste


                      De África até Lisboa
                      Perdido no tempo...
                      Tenho-te no pensamento,
                      Voz perdida no vento...

                      Onde estás sei bem,
                      Onde ficaste, também...
                      Junto a tantos outros
                      Que nesta terra de ninguém
                      Foram algo para alguém.
                      Ficaste neles
                      E em mim também.

                      De África até Lisboa
                      Perdi-te no tempo...
                      Perdi-te numa duna
                      Moldada pelo vento
                      E deixei-te ficar
                      Além terra e além mar...
                      E no fim...
                      Deixaste-te ficar em mim.

                      ------------------------
                          Um aniversário depois,
                          a última vez que te falei...

                          quarta-feira, agosto 13, 2008

                          Martim Moniz



                              Passeia-se ali o puto cigano,
                              De cara suja, olhar profano,
                              Mais uma vez naquela rua
                              Que não lhe pertence, mas sempre foi sua.

                              Olha com desdém o indiano,
                              Cheiro a incenso e a canela...
                              Enxota sem dó a cadela
                              Que lhe fareja o corpo imundo
                              De ladrão e vagabundo.

                              Uma esmola e um roubo adiante,
                              Visita o vendedor ambulante,
                              Seu pai, sua gente...
                              Escarra na raça diferente.

                              A miúda da loja de pechinchas,
                              De tez amarela e olhos de amendoas,
                              Só sabe falar chinês,
                              E ele insulta-a outra vez,
                              Não em calão ou português
                              Mas em dialectos de malvadez.

                              Mais à frente passa o turista,
                              Objectiva em punho, tom de lagosta...
                              E ao preto que vê então
                              Só lhe deseja o caixão.

                              Mas moram todos ali,
                              E o cigano não tem remédio...
                              Cospe no chão e sorri...

                            segunda-feira, agosto 11, 2008

                            Cara ou coroa


                              Perdi
                              Num cair do bolso
                              distráido
                              Todo um fabuloso destino...
                              Uma moeda, uma sorte
                              No caminho...

                              Caiu num passeio sózinho,
                              Fugiu de um uso esquecido...
                              Mudou-se o fado assim
                              No tilintar do futuro perdido...
                              Separado de mim...

                              Era apenas troco do passado.
                              Sem ele não sei o que perdi.
                              Talvez uma viagem, um fado
                              Num bilhete de volta para aqui...
                              Ao futuro que nunca vi...


                            quinta-feira, julho 10, 2008

                            Fada (in)feliz


                              Sorria,
                              A criatura
                              Sorria todo o dia...
                              Sorria,
                              E cegava
                              O mundo de alegria.
                              Sorria...
                              E sorrir,
                              Era um voo a fingir.
                              Sorria
                              Todo o dia,
                              Porque sorrir era magia...

                              Mas quando nos cortam
                              As asas de um sonho,
                              Não parece haver no mundo
                              Um momento risonho...
                              E ela já não sorri agora,
                              Pelo menos a toda a hora...


                            quarta-feira, julho 02, 2008

                            Histórias de borboletas


                              Ah, um conto que estava guardado na gaveta, e que me fez esboçar um sorriso de ternura e saudade dos meus trabalhos infantis...


                              A Rainha das borboletas


                              Era uma vez uma borboleta muito, muito bonita. As suas asas tinham mil cores e ao voar deixavam um rasto brilhante de pózinhos de perlimpimpim.
                              A Borboleta de Mil Cores era mágica. Todas as manhãs esvoaçava sobre um enorme jardim florido e cobria as flores de pó brilhante. Ao reflectir a luz do Sol, os pózinhos de perlimpimpim transformavam-se em pequenas gotas de orvalho. E assim, a Borboleta de Mil Cores acordava as flores e refrescava-lhes as pétalas, que ganhavam cores mais vivas e elegantes.
                              Um dia, quando o Sol anda dormia tapado com a sua manta de horizonte, a Borboleta de Mil Cores viu uma luz ao fundo do jardim. Era uma luz cintilante e quente, e parecia uma pequena estrela no meio das flores.
                              Com cuidado para não acordar as flores, a borboleta esvoaçou silenciosamente na direcção da luz.
                              Ao aproximar-se percebeu que a luz vinha das pétalas de uma flor prateada, ainda em botão.
                              A Borboleta de Mil Cores ficou muito curiosa pois nunca tinha visto uma flor igual, e decidiu voar até ao horizonte para acordar o Sol. Voou velozmente, deixando um rasto brilhante no céu.
                              Quando chegou ao horizonte, a borboleta chamou bem alto pelo Sol. O Sol espreitou, ensonado, e, espreguiçando os seus raios alaranjados, vestiu-se de calor.
                              «Sol, ilumina a nova flor prateada do jardim!» pediu a borboleta.
                              E o Sol clareou o dia, esticando um raio na direcção do jardim. Ternamente, acariciou a corola brilhante e o pequeno botão prateado acordou, abrindo as suas pétalas.
                              A Borboleta de Mil Cores ficou encantada. A nova flor tinha enormes pétalas de fino recorte, decoradas com motivos de ouro. Os seus grãos de pólen pareciam minúsculos diamantes.
                              Atraída pela beleza e brilho mágico, a borboleta poisou na flor prateada.
                              Mas assim que tocou com as suas pequenas patinha no pólen da flor, as enormes pétalas fecharam-se, engolindo a borboleta!
                              E durante dias a Borboleta de Mil Cores não foi vista. Todas as manhãs as flores esperavam pelo seu alegre bater de asas, mas dele não havia sinal. E as flores começaram a perder as cores e a murchar sem o orvalho mágico da borboleta.
                              Até que um dia as belas pétalas da flor prateada voltaram a abrir. De dentro da flor saiu a Borboleta de Mil Cores, num bater de asas rápido. Estava mais brilhante e esbelta, e tinha na cabeça uma maravilhosa coroa cravejada com mil pedras preciosas. Tinha-se transformado na Rainha das Borboletas.
                              E ao ver o jardim tão murcho e seco, a Rainha das borboletas comoveu-se. Pegou na sua coroa e semeou as suas mil pedras preciosas.
                              Passado pouco tempo, com a ajuda do Sol, nasceram mil flores de pétalas cor de cristal.
                              A Rainha das borboletas voou sobre as flores, espalhando finos pós de perlimpimpim prateados e as mil flores abriram-se, libertando mil borboletas de asas transparentes.
                              E, a partir desse dia, todos os jardins do mundo passaram a ser banhados com pózinhos de borboleta, e as flores tornaram-se mais belas e coloridas.


                            terça-feira, julho 01, 2008

                            Déspota


                              Tantas foram as batalhas,
                              As derrotas,
                              As vitórias,
                              Tanto sangue nas memórias
                              De quem conduziste à morte...
                              Tantos soldados sem sorte
                              Enterrados sem as glórias
                              De viver longas histórias...
                              Tanta vida, tantas horas...

                              Tantos desejos fatais,
                              Golpes duros,
                              Sonhos brutais,
                              Tanto ódio plos demais
                              Toldando-te a visão...
                              Tanto fogo sem razão,
                              Chamas sem emoção,
                              Sem esperança, sem vontade,
                              Incêndio sem liberdade...

                              Tantos condenados
                              À maldição
                              De novos fados,
                              Corações tão mal-tratados,
                              Sem amor e sem cura...
                              Tantos olhares amargurados
                              Nas garras da loucura...
                              Tantas paixões, tantos futuros
                              Sem abraços ou ternura...

                              Tanta dor por ti causada,
                              No fim não traz mais nada
                              Do que o som da tua espada
                              A exigir justiça ao mundo...
                              E nesse último segundo,
                              Dessa existência irada,
                              És todo-poderoso:
                              Até a tua má sorte
                              Foi por ti comandada...


                            quinta-feira, junho 26, 2008

                            Crise de identidade


                              Só eu e ele,
                              Combatendo
                              Com golpes sempre iguais,
                              Os meus aos dele,
                              Os dele aos meus,
                              Sempre idênticos demais.
                              O vencedor
                              Só conheceremos
                              Ao quebrarmos a barreira
                              Do espelho, cujo reflexo
                              Nos separou a vida inteira.

                              E no fim
                              Só eu e ele
                              Saberemos distinguir
                              Qual de nós em mil pedaços
                              Se estará a reflectir.


                            terça-feira, junho 24, 2008

                            Noites de Ternura


                              Todas as noites
                              A Lua deixa-nos provar
                              Um pouco do seu sabor
                              Em banhos quentes de luar.
                              E quem à sua luz se estende
                              Não se queima certamente...
                              Aconchega-se a sonhar.


                            terça-feira, junho 17, 2008

                            Carta ao Sol


                              Sabes, às vezes, de manhã, olho para ti, e sinto que devo ter acordado simplesmente para te poder ver. A magnificência da tua imagem fere os meus olhos ainda não habituados à claridade, mas eu não me importo; tomara poder despertar todos os dias sob a tua aura radiante.
                              É quase como uma benção matinal, aquela que me ofereces pelo simples facto de apareceres esplendoroso à minha janela. Transmites-me força e energia para viver, sinto que me guias para a felicidade [nem que seja por apenas um dia]. E é tão bom ser feliz pelo simples facto de existires, de me protegeres e acompanhares com carícias de luz, até à hora de te curvares perante a Noite.
                              Detesto ouvir os clichés, de quem não tem nada melhor para dizer... É que dizem que tu és de todos, mas sei perfeitamente que nos dias em que nasces no céu, completamente nú e sózinho, pelo menos nesses dias vieste por mim, e és meu, apenas e somente meu. Porque as pessoas sabem distinguir a verdade e a mentira no rosto de quem melhor conhecem e mais amam. Tu a mim não sabes mentir. E por isso acompanha-me a convicção de que nessas alturas fazes parte dos meus pertences, porque em ti reflecte-se a minha alegria pla manhã clara, e em ti conseguem-se distinguir as cores dos meus desejos.
                              Mas continuam a insistir comigo, continuam a pressionar-me para te partilhar. Já lhes tentei dizer: não sei bem se és tu que és meu, ou se sou eu que sou tua. Eles não sabem que a tua vontade domina o meu mundo, e que não te posso obrigar a revelar a tua essência a almas alheias. Sou tua e por isso vivo os meus dias menos contente quando não estás, quando te escondes por detrás dos adornos do Inverno.
                              Por isso te suplico: não me abandones. Ilumina todo o meu tempo...


                            sábado, junho 14, 2008

                            À flor da pele


                              Se a história desta noite tiver escritora, alguém realmente responsável pelo fervilhar de ideias e pela explosão de emoções, esse alguém não sou eu. Esse alguém corre-me no sangue, distribui energia e acelera-me o coração, e, não sendo eu própria, é alguém completamente endógeno no meu corpo. Quem mais reside no meu interior, que não tu, eu, e um pouco de loucura?



                              É a adrenalina que me perfunde a mente, que me precipita as ideias... Hoje o meu pensamento é uma solução heterogénea de desejos, sentimento e movimentos perdidos.


                            quarta-feira, abril 16, 2008

                            Lei da sobrevivência


                              Crueldade,
                              O teu olhar quando te aproximas.
                              Crueldade,
                              Ignorar-te quando me falas.
                              Crueldade,
                              O teu andar quando te afastas.
                              Esquece.
                              Eu não sou a cruel pobre de espírito
                              E tu a pobre sem dinheiro.
                              Somos criaturas semelhantes,
                              Vivendo em universos distantes
                              Que co-existem neste mundo.
                              A sobrevivência é do mais forte,
                              Mas a vida é um segundo.


                            sexta-feira, abril 11, 2008

                            Movimentos


                              Ambos sabemos que palavras não nos definem.
                              Ambos reconhecemos um no outro, não nomes, mas energias. Sabemos que o potencial dentro de nós mais cedo ou mais tarde vai gerar movimento. Sabemos que a nossa vida não é história nem texto, mas antes gestos e danças. E dançamos uma coreografia que nós próprios idealizámos, com uma música só nossa para ouvir.
                              E é tão nosso o movimento, quanto a energia motriz que o alimenta e o trabalho muscular que o executa. Ambos preferimos as dores de um músculo cansado, à dor de permanecer quieto e inalterado. Porque não reconhecemos faces geladas, porque o que está parado pode estar morto.
                              Dizes que não sabes dançar, mas toda a tua história é afinal escrita pelos teus passos de bailado amador. A técnica é só tua para julgar e a beleza só daqueles que sabem ver dança no respirar.
                              É por isso que somos iguais: energia e movimento por explorar...


                            quarta-feira, março 19, 2008

                            Hoje, numa vaga saudosista, deu-me para escrever aqui... Já há quase um ano que não o fazia, e tanta coisa tem acontecido entretanto... No entanto, hoje, sinto a vida estagnada, pouca cor e pouca emoção, pouca gente com quem partilhar histórias e com quem me sinta verdadeiramente bem e à vontade. Sinto-me presa dentro de mim, sinto que preciso de viver outras experiências e emoções, mas ainda não me consegui libertar dos preconceitos que me impedem de o fazer. Procuro incessante novos projectos que não consigo encaixar nas 24h do meu dia, procuro outra maneira de viver.


                            Praticamente meio ano depois, ainda parece mentira... Ainda é estranho que não tenhas passado o Natal connosco, nem venhas passar as férias da Páscoa com a tua família. Ainda sonho com essa realidade alternativa vezes sem conta, aquela em que ainda estás aqui, e tudo foi apenas um pesadelo e uma mentira feia que alguém nos contou.
                            Ultimamente é raro sentir-me deprimida por tua causa... Prefiro a designação "mentalmente instável". Acho que é por isso que me sinto parada. Sei lá, já não consigo pensar. Tudo se resume a uma pequena história:

                            Once upon a time there was a little girl who missed her daddy... That girl was me...