segunda-feira, setembro 21, 2009

Um excerto dele

"Naquele dia, ele levantou-se cedo, arrastando-se pela casa como um sonâmbulo. Encheu uma caneca de leite e café, quase sem abrir os olhos, e sentou-se à janela da cozinha, deixando a claridade habituar-se à sua presença. E foi sorvendo assim os primeiros raios de Sol, até sentir coragem suficiente para enfrentar o resto da sua rotina.
Fazer a barba, tomar duche, vestir, conduzir até ao trabalho, trabalhar, trabalhar, trabalhar, pausa para café, reunião, almoço, trabalhar, trabalhar, trabalhar, pausa para dois dedos de conversa com o colega do lado, encerrar a sessão, voltar para casa... Um suspirar de alívio depois de um dia sufocado..."

A vantagem do narrador, pensou ela, é poder saber o que se passa dentro das personagens. É saber que música ressoa nos seus pensamentos, é conhecer-lhe as pulsações e frequência respiratória, é adivinhar-lhe as decisões ainda antes de haver opções...

E ela queria ser a narradora dele...

domingo, setembro 20, 2009

Seixos

Já era tão tarde!... Mas ela tinha, ela precisava de escrever antes de se entregar ao sono. Estava-lhe no sangue aquela urgência de libertar o que lhe palpitava no peito, de materializar sentimentos nos seus textos. Também assim se revelava ao mundo, já que tantas vezes se sentia invisível. Talvez dessa forma, escrevendo, como quem deixa um rasto de pequenos seixos na floresta, talvez fosse essa a maneira de fazer alguém encontrá-la, alguém de mão dada com muita felicidade.
Ela acreditava, pois, que recusando o aconchego tranquilo do sono em prol de uma produção de texto mais ou menos improvisada estaria a atrair um futuro mais sorridente... Mais um texto, mais um seixo no caminho...



Penso, com isto, retomar a História dela... Mas como de intenções está o Inferno cheio, não prometo nada!

quinta-feira, setembro 17, 2009

Fado de dragão

No travo alto da fumaça
Cinzenta, que inspira a garganta,
Expira-se a labareda
Do monstro que a tantos espanta
E a tantos outros devora...
Aquele monstro que apenas chora
Momentos antes de morrer,
Para que o dilúvio de lágrimas
Lhe apague a chama de ser...
Para em cinzas repousar,
Como incêndio apaziguado...
Para extinguir a fúria
De um fogo descontrolado...

Ira de fumo sai-lhe da boca,
Do olhar inflamável de paixão...
Aquele monstro prefere chorar
A morrer em combustão,
Porque vive com medo de amar...
Cruel fado de dragão...


terça-feira, setembro 15, 2009

Arrumações

Preciso de me encontrar...
Debaixo de um tapete,
Atrás de alguma porta,
Dentro de um armário qualquer...
Preciso de me encontrar,
Esteja eu onde estiver...

Preciso de me encontrar,
No compasso de alguma dança,
Numa palavra, num verso,
Nalgum sorriso de criança...
Preciso de me encontrar
Lado a lado com a esperança...

E depois de me encontrar,
Quando sacudir a poeira,
Vai ser hora de arrumar...
Tirar da prateleira,
Varrer debaixo do tapete,
Trancar a porta a cadeado
Do armário das lembranças...
Vai ser hora de mudar
A valsa das minhas danças,
Escrever novos poemas,
Sorrir a outras crianças...

Vai ser hora de continuar,
Vai ser tempo de esquecer...
Preciso de me encontrar,
Ainda mais de te esconder...

terça-feira, setembro 01, 2009

Promessa


    Desenharei,
    Em gestos delicados,
    A oração
    Dos meus pecados...
    Constelação
    De passos trocados...

    Saltarei,
    Viajando no espaço,
    Mão estendida
    A algum pedaço
    De luar...
    Recomeçarei
    Se tropeçar...

    E deslizarei
    Entre nuvens,
    Ardente...
    Rodopiarei,
    (Talvez para sempre)
    Sem acabar
    A coreografia...

    E só pararei,
    No momento,
    No dia,
    Em que o teu aplauso
    Prometer magia...
    E numa simples vénia
    Acabarei nua...
    Dentro do verso
    De uma dança tua...