quarta-feira, junho 24, 2009

Enquanto esperava, olhou o horizonte recortado em luzes nocturnas... Suspirou e esperou.

quinta-feira, junho 18, 2009

Abraço de árvore

Cuspi para o chão. Limpei a boca com o dorso da minha mão... uma picada, um ardor ácido na pele... A saliva ainda no canto dos lábios, como um veneno tóxico, desfigurante...
Abri a boca e deixei o ar prolongar-se sobre a minha língua, ar húmido de fragrância verde, percorrendo cada sulco, papila a papila... Mas o sabor de relva e primavera diluiu-se no travo azedo da minha boca, até perecer calado, apenas um cheiro vago, pegada volátil na atmosfera...

Abracei aquela árvore anciã, de tronco robusto e impossível, impossível de envolver em braços tão curtos... Recebi um beijo áspero, antigo, que me rasgou o lábio, inundando-me a boca em sangue. Com a mesma mão ulcerada de veneno, esfreguei-o na minha face...
Encostei firmemente a cara à minha árvore e olhei o horizonte. Saboreei o gosto férrico do sangue na minha língua... Na manhã seguinte, o Sol descobriu ali uma árvore estreita, corcunda, parasita, na sombra daquela árvore imponente, robusta, enorme... Amantes que ali se uniram...

domingo, junho 14, 2009

Obrigada palavras, são o meu escape dos sentimentos, a minha interpretação de emoções... Sem vocês, estaria verdadeiramente louca.

sexta-feira, junho 12, 2009

Populares

Ela abriu o jornal despreocupadamente, folheou-o sem ler um único artigo inteiro, até que uma caixinha de texto cinzenta e discreta lhe piscou o olho:

"Versos populares de Fernando Pessoa:

Meu coração a bater
Parece estar-me a lembrar
Que, se um dia te esquecer,
Será por ele parar."

"Nada mais adequado!" disse ela, para ninguém em particular. E sorriu muito, um sorriso quase feliz...

Circunstâncias peculiares

Este blog começou em circunstâncias peculiares, dolorosas mesmo. Nasceu de uma necessidade de criar um espaço mais maduro, mais conceptual, mais coeso, e da vontade de largar um blog adolescente, volátil, desconcentrado. Estes objectivos, ainda não os atingi totalmente, mas sinto-me um pouco mais próxima deles, finalmente, tantos anos depois...
E anos depois, as circunstâncias são tão semelhantes: a vivência de uma tristeza aguda, e a perspectiva de uma melancolia crónica. Sem tratamento eficaz, com um prognóstico reservado...
Usar o blog como terapia ocupacional? Talvez... Não restitui a qualidade de vida anterior, mas pode ajudar na adaptação à deficiência de alegria. Talvez, talvez...

Tenho tanta pena dela, a partir de agora uma personagem mais triste...

quinta-feira, junho 11, 2009

Insuficiência cardíaca

Por fim, acabou-se o sossego... Acabou-se o conforto de um futuro mais ou menos certo, mais ou menos risonho, sobretudo risonho...
Ela olhou pela janela, admirou a promessa de um dia quente, um dia vão... Que dia estranho para a incerteza, que dia errado para a indecisão. Um dia dourado que noutro universo estaria predisposto ao baptismo sorridente de uma felicidade costumeira, familiar, agradável...
"Não interessa, era suposto ser um dia feliz!" Pensou, angustiada com o futuro, traumatizada pelo presente. Tentava desesperadamente sorrir, mas o seu único sorriso era agora sardónico, implacável, venenoso... Um parasita imundo agarrado a um rosto raptado à alegria...

Fechou os olhos, refugiando-se da luz. Sentia o coração pulsar na garganta, aprisionado, estenótico. Aliás, todo o seu corpo pulsava, rítmico, inundado pelo sangue que ela paradoxalmente acreditava acumular-se no seu peito.
"Pode alguém afogar-se no seu próprio sangue?" Ponderou na sua questão durante cerca de um minuto, e a resposta, convicta, era "sim". Medicamente falando, ou não. Imaginou os seus pulmões sangrando, lentamente absorvendo o líquido como uma esponja, tornando-se pesados, incómodos...
Mas a sua autópsia, reflectiu ela, revelaria uma outra patologia fatal... Uma doença de coração, de um coração que se julgou maior, que acomodou aquele volume adicional, e que, por tanto se esforçar, deixou de bater, exausto.

"Quão exausto pode o meu coração ficar?" Abriu os olhos, que se inundaram de luz. Ainda sentia o coração bater...