quarta-feira, março 11, 2009


    Ela tinha decidido não estar sózinha. Mas, curiosamente, apercebeu-se que não sabia bem como fazê-lo. Sempre têve poucos amigos, e sempre têve alguma dificuldade em adquirir novos conhecimentos e amizades. Agora, naquela cidade, que fora o seu lar de sonho e o seu desejo de infância, naquele lugar perfeito, mas tão novo, sentia-se perdida e verdadeiramente desamparada.
    O Sol tinha acordado bem humorado, e por isso procurou numa rua qualquer uma esplanada para se sentar. Abrigou-se na sombra de um guarda-sol, pediu um sumo de laranja natural, e deixou-se ficar a observar. As pessoas iam-se sentando e levantando aleatoriamente, numa coreografia descoordenada e bizarra. Alguns eram jovens que partilhavam dramas hormonais entre goladas apressadas num café açucarado. Outros eram idosos isolados, que levavam uma chávena de chá trémula a uma boca enrugada. Casais, havia-os de todas as idades: os de terceira idade que discutiam mazelas várias e o número de medicamentos que cada um tomava; os de meia idade, que partilhavam um café e uma mão no meio de uma conversa muda; e os mais novos, loucamente apaixonados, que se beijavam e acariciavam sem pudor, esquecendo-se dos refrescos em cima da mesa.
    Ali ficou a olhar, sem saber bem o que procurava. A certa altura, cruzou o olhar com um homem que chegava à esplanada, e que depois de a mirar prolongadamente, sorriu abertamente na sua direcção. O seu coração parou um segundo, e os seus olhos congelaram na face que a fitava: cabelos castanhos em desalinho, olhos cor de mel reluzentes, um nariz torto mas desconcertantemente encantador... E um sorriso que lhe aquecia a alma.
    Mas a magia não prometia durar muito... Quando despertou daquele estado atordoado, viu que uma rapariga se aproximava dele. Abraçaram-se e beijaram-se prolongadamente, e finalmente entraram no café.
    Sentiu-se corar um pouco. Sentiu também alguma desilusão pelo desfeche daquele momento. Olhou para o seu copo já vazio e resolveu que provavelmente seria melhor ir-se embora.
    Em casa, sentou-se à secretária, e abriu um caderno antigo, de páginas amareladas. Abriu-o numa página despida de palavras e respirou fundo. Assim escreveu:

    "Sentei-me no lugar do costume, na mesa do canto do café do Sr. Félix. Tirei o caderno e a caneta da mala, e apressei-me a depositar as minhas ideias no papel, enquanto ainda estavam frescas. Algumas frases mais tarde, senti na nuca aquele arrepio terrível que me alerta da presença de um olhar sobre mim. Ergui a cabeça, e lá estava ele, de expressão solene, a segurar numa chávena de café.
    -Parece-me que este café é seu. -Disse-me ele, educadamente.
    Não sei o que me deu, mas respondi-lhe:
    -Então agora o sr. Félix tem serviço de mesa?
    -Acho que não.
    E sorriu. Os seus olhos cor de mel observando atentamente a minha reacção. Sorri-lhe também, e ali ficámos uns segundos, olhos nos olhos, eu sentada e ele de pé, inclinado sobre a mesa como quem se tenciona instalar.
    Finalmente poisou a chávena de café sobre a mesa, fez uma ligeira vénia, e virou costas, sentando-se numa mesa ao lado.
    Durante o resto da tarde não me atrevi a olhar naquela direcção. Mas fui sentindo na nuca arrepio atrás de arrepio; estava certamente a observar-me. Só quando me levantei para pagar tive coragem de olhar para a sua mesa: vazia... Mas na cadeira vi um pequeno papel, que me apressei a apanhar. "Já está pago", li em voz baixa. Estranhei aquele recado, e por precaução perguntei ao sr. Félix quanto lhe devia.
    -O seu amigo já pagou!"

    E pelo menos naquele dia, a sua história fez-lhe companhia.

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